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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010


Carta anônima

"Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas que são bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra.
Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais freqüente, e me deixava irritado, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés daquelas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.). E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você - seria, seriam? Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam umas nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta o meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito pudor de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos meio tudo isso, não tem jeito, é tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olívia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Win Wenders, mais Cecília Meireles que Nelson Rodrigues.
Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca minha mão, eu toco na sua.
Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezemquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo."
(Caio Fernando Abreu - Carta Anônima)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010


Com o coração

Hoje eu não quero conversas vestidas de uniforme. Diálogos impecavelmente arrumados que não deixam o coração à mostra. As palavras podem sair de casa sem maquiagem. Podem surgir com os cabelos desalinhados, livres de roupas que as apertem, como se tivessem acabado de acordar. Dispensa-se tons acadêmicos, defesas de tese, regras para impressionar o interlocutor. O único requinte deve ser o sentimento. É desnecessário tentar entender qualquer coisa. Tentar solucionar qualquer problema. Buscar salvamento para o quer que seja.
Hoje eu não quero falar sobre o quanto o mundo está doente. Sobre como está difícil a gente viver. Sobre as milhares de coisas que causam câncer. Sobre as previsões de catástrofes que vão dizimar a humanidade. Sobre o quanto o ser humano pode ser também perverso, corrupto, tirano e outras feiúras. Sobre os detalhes das ações violentas noticiadas nos jornais. Não quero o blablablá encharcado de negatividade que grande parte das vezes não faz outra coisa além de nos encher de mais medo. Não quero falar sobre a hipocrisia que prevalece, sob vários disfarces, em tantos lugares. Hoje, não. Hoje, não dá. Não me interessam o disse-que-disse, os julgamentos, a investigação psicológica da vida alheia, os achismos sobre as motivações que fazem as pessoas agirem assim ou assado, o dedo na ferida.
Hoje eu não quero aquelas conversas contraídas pelo receio de não se ter assunto. A aflição de não se saber o que fazer se ele, de repente, acabar. O esforço de se falar qualquer coisa para que a nossa quietude não seja interpretada como indiferença. Hoje eu não quero aquelas conversas que muitas vezes acontecem somente para preenchermos o tempo. Para tentarmos calar a boca do silêncio. Para fugirmos da ameaça de entrar em contato com um monte de coisas que o nosso coração tem pra dizer. Além do necessário, hoje não quero falar só por falar nem ouvir só por ouvir. Que a fala e a escuta possam ser um encontro. Um passeio que se faz junto. Um tempo em que uma vida se mostra para a outra, com total relaxamento, sem se preocupar se aquilo que é mostrado agrada ou não. Se aumenta ou diminui os índices de audiência.
Hoje, se quiser, se puder, se souber, me fala de você. Da essência vestida com essa roupa de gente com a qual você se apresenta. Fala dos seus amores, tanto faz se estão perto do seu corpo ou somente do seu coração. Fala sobre as coisas que costumam fazer você sintonizar a frequência do seu riso mais gostoso. Fala sobre os sonhos que mantêm o frescor, por mais antigos que sejam. Fala a partir daquilo em você que não desaprendeu o caminho das delícias. Do pedaço de doçura que não foi maculado. Da porção amorosa que saiu ilesa à própria indelicadeza e à alheia. A partir daquilo em você que continuou a acreditar na ternura, a se encantar e a se desprevenir, apesar de tantos apesares. Conta sobre as receitas que lhe dão água na boca. Sobre o que gosta de fazer para se divertir. Conta se você reza antes de adormecer.
Hoje, me fala de você. Dos momentos em que a vida lhe doeu tanto que você achou que não iria aguentar. Fala das músicas que compõem a sua trilha sonora. Dos poemas que você poderia ter escrito, de tanto que traduzem a sua alma. Senta perto de mim e mesmo que estejamos rodeados por buzinas, gente apressada, perigos iminentes, faz de conta que a gente está conversando no quintal de casa, descascando uma laranja, os pés descalços, sem nenhum compromisso chato à nossa espera. A gente já brincou tanto de faz-de-conta quando era criança, onde foi que a gente esqueceu como se chega a esse lugar de inocência? Fala da lua que você admirou outra noite dessas, no céu. Da borboleta que lhe chamou à atenção por tanta beleza, abraçada a alguma flor, como se existisse apenas aquele abraço. Diz se quando você acorda ainda ouve passarinhos, mesmo que não possa identificar de onde vem o canto. Diz se a sua mãe cantava para fazer você dormir.
Senta perto e me conta o que você sentiu quando viu o mar pela primeira vez e o que sente quando olha pra ele, tantas vezes depois. Se tinha jardim na casa da sua infância, me diz que flores riam por lá. Conta há quanto tempo não vê uma joaninha. Se tinha algum apelido na escola. Se consegue se imaginar bem velhinho. Fala da sua família, a de origem ou a que formou. Das pessoas que não têm o seu sobrenome, mas são familiares pra sua alma. Fala de quem passou pela sua vida e nem sabe o quanto foi importante. Daqueles que sabem e você nem consegue dizer o tamanho que têm de verdade. Fala daquele animal de estimação que deitava junto aos seus pés, solidário, quando você estava triste. Diz o que vai ser bacana encontrar quando, bem lá na frente, olhar para o caminho que fez no mundo, em retrospectiva.
Podemos falar abobrinhas, desde que sejam temperadas com riso, esse tempero que faz tanto bem. A gente pode rir dos tombos que você levou na rua e daqueles que levou na vida, dos quais a gente somente consegue rir muito depois, quando consegue. A gente pode rir das suas maluquices românticas. Das maiores encrencas que já arrumou. Das ciladas que armaram para você e, antes de entender que eram ciladas, chegou até a agradecer por elas. De quando descobriu como são feitos os bebês. A gente pode rir dos cárceres onde se prendeu e levou um tempo imenso pra descobrir que as chaves estavam com você o tempo todo. Das vezes em que se sentiu completamente nu diante de um Maracanã, tamanha vergonha, como se todos os olhos do mundo estivessem voltados na sua direção. Das mentiras que contou e acreditaram com facilidade. Das verdades que disse e ninguém levou a sério.
Não precisa ter pauta, seguir roteiro, deixa a conversa acontecer de improviso, uma lembrança puxando a outra pela mão, mas conta de você e deixa eu lhe contar de mim. Dessas coisas. De outras parecidas. Ouve também com os olhos. Escuta o que eu digo quando nem digo nada: a boca é o que menos fala no corpo. Não antecipe as minhas palavras. Não se impaciente com o meu tempo de dizer. Não me pergunte coisas que vão fazer a minha razão se arrumar toda para responder. Uma conversa sem vaidade, ninguém quer saber qual história é a mais feliz ou a mais desditosa.
Hoje eu quero conversar com um amigo pra falar também sobre as coisas bacanas da vida. As miudezas dela. A grandeza dela. A roda-gigante que ela é, mesmo quando a gente vive como se estivesse convencido de que ela é trem-fantasma o tempo inteiro. Um amigo pra falar de coisas sensíveis. Do quanto o ser humano pode ser também bondoso, honesto, afetuoso, divertido e outras belezas. Dos lugares onde nossos olhos já pousaram e daqueles onde pousam agora. Um amigo para conversar horas adentro, com leveza, de coisas muito simples, como a gente já fez mais amiúde e parece ter desaprendido como faz. Um amigo para se conversar com o coração.
E se não quisermos, não pudermos, não soubermos, com palavras, nos dizer um pouco um para o outro, senta ao meu lado assim mesmo. Deixa os nossos olhos se encontrarem vez ou outra até nascer aquele sorriso bom que acontece quando a vida da gente se sente olhada com amor. Senta apenas ao meu lado e deixa o meu silêncio conversar com o seu. Às vezes, a gente nem precisa mesmo de palavras.
O texto é escrito por Ana Jácomo e encontrado no link abaixo:
http://anajacomo.blogspot.com/2010/11/com-o-coracao.html

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Meu Forte é aqui

Outro dia me peguei observando uma foto e, consequentemente, as sensações que ela produzia em mim. A princípio me passou uma certa paz, silêncio, bem-estar. Daí resolvi ir mais além e pensei: engraçado é o fato dessa imagem causar tantas sensações, mas o que se esconde por trás desse silêncio, dessa paz? Primeiro convêm mostrar a foto:



Essa é a foto da minha cidade, um belo pôr do sol a beira mar e um daqueles dias em que vale a pena parar e apreciar um espetáculo desses...e de graça!
Então, o que está por trás desse silêncio?
Por trás desse silêncio e dessa paz que desperta os mais belos sentimentos, está o caos. O calor. Barulho. Poluição. Turistas andando a beira mar. Prostitutas. Camarão no Mucuripe. Jangadas em alto mar. Navios de carga. Efeito dominó no paredão de edifícios que engolem a brisa e transformam todo o resto em inferno. Cerveja gelada e barata no Benfica. Emos na praça Portugal demarcando território. Samba aos domingos no Zé bezerra, cheio de corpos em movimento e bocas sedentas por mais um gole, mais um beijo, mais um acorde. Tem até Cachorra no pré-carnaval, que de tão bom que era ficou pop da mesma forma que o Papa e entrou em órbita, ou melhor, saiu.
Nessa cidade de aparentes desilusões. Tem caranguejo as quintas e Lions de vez em quando, na ilustre presença solitária da Rachel de Queiroz, observando tudo muito bem sentada na praça onde os reis da selva viraram pedra. Tem tocas que escondem diversidades, sejam elas javalis, sejam elas plácidos regados a um bom vinil que passeia pelo melhor da música de qualidade ou um javali que coloca todos para dançar com Sidney Magal, ou mesmo Lady Gaga; onde o cheiro de enxofre daquele inferninho da lugar ao cheiro de suor e cigarro. Tem um Betão que de dia é vulgar, mas a noite é cult, demodê, clichê. Tem um passeio que é público, mas não é para qualquer um, lá imagem é quase tudo e dinheiro é tudo mesmo, pode até abraçar o baobá, mas não pode levar para casa. Tem uma Praia do Futuro que é bom e sem futuro. Tem uma praia que é de Iracema, ou pelo menos era, antes dela sair de lá como todos os outros e ir reinar na bica do Ipú.
Nessa cidade tem de tudo e para todos os gostos. Tem os ousados que preferem Acaracuzinho, os que preferem Papicu, os tímidos que apostam na Varjota, os tarados por Paupina e as aves que aqui gorjeiam, gorjeiam melhor do que as de lá.
Eu moro nessa cidade, onde velho e novo se misturam, onde vamos e voltamos todos dias, onde o sol é sempre quente e as pessoas também. É nessa cidade onde o mar está sempre a nos abraçar e a lua a sorrir , que eu fiz o meu ninho, que eu vivo meus amores e meus pesadelos, que eu posso sorrir e chorar deixando minhas lágrimas rolar e cair na xícara de café preto, e assim, beber o café com gosto de sal, observando o pôr do sol nessa Fortaleza que me habita, que habito, que fez dentro de mim um lar.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

‎"When our desires feel out of the control of our intentional agency it might feel tragic or freeing, but it is our pleasure to experience the chaos of desire to the degree that chaos is one of its expected qualities." Lauren Berlant

segunda-feira, 27 de setembro de 2010


In my own private loneliness

I flow slowly inside of this loneliness that insists in bring me to my own private haunted house full of nowhere full of uncontrolled thoughts like the vagabond walking around his own private hell looking for shelter in unknown atmospheres looking for peace inside of his own private mirror reflecting my own private decadence.
"Classicism is the subordination of the parts to the whole; decadence is the subordination of the whole to the parts." Oscar Wilde.

terça-feira, 21 de setembro de 2010


Fragmentos de mim mesmo por Caio Fernando Abreu V

"(...)Claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodka, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing special, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída, ah não se preocupe, meu bem, depois que você sair tomo banho frio, leite quente com mel de eucalipto, gin-seng e lexotan,depois deito, depois durmo, depois acordo e passo uma semana a ban-chá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o CVV às quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas do tipo preciso-tanto-de-uma-razão-para-viver-e-sei-que-esta-razão-só-está-dentro-de-mim-bababá-bababá, até o sol pintar atrás daqueles edifícios, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais destrutiva que insistir sem fé nenhuma?”
Tem coisa mais destrutiva que insistir sem fé nenhuma??

sexta-feira, 17 de setembro de 2010


A Camp - Frequent Flyer

Would you help me pack my bags, I might be leaving
I need some sweet assistance while i'm stealing
Some of your time
I hope that's fine
And i've got photographs of all, you're all i'm needing
Forgiveness if i left you all believing
That i'm the one 'cause i feel like none
And i need something to direct me to it
'Cause i'm a frequent flyer, a notorious liar
But i can't get close enough
I never get close
I can't get close enough
I would love to tell my story from the ending
But the story's getting thin from heavy spending
And i need my man, and i need a fence
And i need someone to protect me from the wrench
I'm a frequent flyer, a notorious liar
But i can't get close enough
I never get close
I can't get close enough to the ending
I can't get close enough
I can't get close enough
To the sun
I can't get close enough
I'm a frequent flyer, a notorious liar
But i can't get close enough
I never get close
I can't get close enough... it seems
Melhor do que ler a letra de Frequent Flyer é, com certeza, ouvir Nina Persson cantando para você! http://www.youtube.com/watch?v=c90rgr10CFQ

sexta-feira, 3 de setembro de 2010


Fragmentos de mim mesmo por Caio Fernando Abreu IV

"Posso não saber nada do coração das gentes, mas tenho a impressão, de que, de tudo, o pior é quando entra a segunda parte da letra de 'Atrás da porta', ali no quando 'dei pra maldizer o nosso lar pra sujar teu nome, te humilhar'. Chico Buarque é ótimo pra essas coisas. Billy Holiday é ótima pra essas coisas. E Drummond quando ensina que 'o amor, caro colega, esse não consola nunca de núncaras'. Aí você saca que toda música, toda letra, todo poema, todo filme, toda peça, todo papo, todo romance, tudo e todos o tempo todo, antes, agora e depois, falam disso. Que o que você sente é único & indivisível e é exatamente igual à dor coletiva da Rocinha a Biarritz."

quinta-feira, 2 de setembro de 2010


Disparate dos tempos modernos

- Um cheiro?
- - - De chuva, mesmo que para isso eu fique gripado depois.

- Uma flor?
- - - A flor de Zíaco

-Uma cor?
- - - As de dentro, as do fundo, as de cima.

- Uma dor?
- - - Qual delas?

- Um filme?
- - - Bagdad Cafe para assistir ao lado de um amigo, Dançando no escuro para morrer um pouco e Saló para ter a certeza de que você não vai querer ver de novo.

- Uma angústia?
- - - Ã?

- Um medo?
- - - De quando os fantasmas se divertem e não me deixam dormir.

- Um perfume?
- - - Aquele que me leva para longe, aquele que me esquece e me leva para qualquer lugar.

- Um sonho?
- - - Sonhar sempre que é possível, mesmo na ausência dele.

- Um lugar?
- - - Meu corpo, minha casa, meu lar.

- Um brinquedo?
- - - A imaginação.

-Um referência?
- - - Sempre viajo em cadeira de emergência no avião, pernas longas pedem mais espaço. E em caso de emergência, não espere que eu vá saber manusear aquilo, no máximo posso segurar a sua mão.

- Uma mulher?
- - - Monalisa, de Da Vinci. Carinha de safada.

- Um homem?
- - - Davi, de Michelangelo. Ele deve ser duro na queda.

- Um incomôdo?
- - - Pegar ônibus ás 14hrs, vestido para fazer exame de fezes e alguém sempre pergunta se você é testemunha de Jeová ou vendedor de enciclopédia. Detalhe: 79°C na sombra.

- Uma música?
- - - São muitas, dezenas, centenas e elas se multiplicam como gremlings quando jogamos água.

- Um calor?
- - - Corpos suados.

- Um adeus?
- - - A Deus!

- Uma pergunta?
- - - "Há sempre um pôr-do-sol esperando pra ser visto?"

sexta-feira, 6 de agosto de 2010


Diálogo misterioso entre a Luz e a Escuridão

Tudo começou, exatamente, por não haver o que falar. Apenas o vento varria os campos e os restos...e os restos deles iam com o vento varrer outros campos...e assim o vento ia...levando os restos...dos restos...deles...

Luz: O que você faz quando chove dentro de você? Como hoje a tarde eu vi.

Escuridão: Eu me afogo...depois me salvam...depois me fazem florir.

Luz: Como é se afogar por dentro então?

Escuridão: É poder saber que não existe mais nada...é não ter mais sede...e por isso, entregar-se...ao afogar-se.

Luz: Isso seria a causa de uma dor, pois me diga uma!

Escuridão: A perda do grande amor.

Luz: A perda do grande amor, beirando o clichê, apesar d'eu ter que concordar com o senhor!

Escuridão: Nunca será um clichê...a vida pode ser, porém o amor não...Eros é parte de nós...ou melhor, para quem o aceita...viu?

Luz: E para quem não aceita...qual a receita?

Escuridão: Uma pena...piedade. E para você...o que é o Eros?

Luz: Eros, um belo nome, cheio de interpretações, além de ser eternamente uma referência ao amor.

Escuridão: Muito vaga a resposta, porém tudo bem!!

Luz: Isso não quer dizer que eu seja superficial.

Escuridão: Eu não disse isso...quem fala é você!

Luz: Existem coisas que não dá para colocar em palavras, concorda?

Escuridão: Sim, e que não fiquem guardadas dentro de mim...com vontade de expressá-las. O silêncio é um alívio, como diz o poeta, mas pode calar muitas coisas que poderiam mudar tudo...num instante, concorda?

Luz: De fato, isso é uma verdade, mas ás vezes mudar pode significar algo ruim também, uma vez que pensamos muito e em silêncio, o resultado final é que não dá para escutar o barulho que faz dentro de nós...dentro de mim.

Escuridão: Você é mais razão ou emoção?

Luz: Emoção, e o engraçado é que o problema do homem moderno é exatamente o contrário. O homem moderno é razão, pé no chão. Talvez, por isso, eu sofra.

Escuridão: Você me parece mais razão...é, eu errei.

Luz: Nem sempre somos como os outros nos veem!

Escuridão: E as atitudes, não mostram nada? Ou é só uma "Persona"? Hein?

Luz: Pode ser, talvez seja uma forma de defesa, ou mesmo a falta dela.

Escuridão: Já fui assim...ou sou assim...mas me permiti e é isso aí!

Luz: Estamos em eterno processo de mudança, todos os dias amanhecemos diferentes, de uma certa forma. Mas me diz, como faz pra pensar menos e viver mais?

Escuridão: Não sei, mudanças...mas sempre tentando preservar a nossa essência...se não, voltamos ao zero.

Luz: Não tem como zerar esse cronômetro, meu caro! A contagem é regressiva.

Escuridão: Mudanças não, melhor ainda...as máscaras! Postas por nós ou pelos outros. Com isso você tem que concordar.

Luz: Eu não tenho que concordar com nada, essa pode ser a sua Verdade. Apesar dela não existir!

Escuridão: Não?! Então, o que seria a Verdade?

Luz: Não existe verdade absoluta. O que pode vir a ser verdade para você, pode não ser a minha. Diante disso, acabamos com a verdade!

Escuridão: Concordo com você sobre isso.

Luz: Então me diz, o que seria mentir? Diante dessa constatação.

Escuridão: Mentir? Como assim?

Luz: Isso mesmo, defina "mentir" por favor!

Escuridão: Como dizem, um discurso contrário à verdade, quando você faz acreditar que é!

Luz: Poís brincaremos de fazer acreditar e dessa forma poderemos tornar as coisas menos dolorosas e as verdades alheias se tornarão nossas também!

Escuridão: Então, para você não existe mentira absoluta?

TO BE CONTINUED...

Texto escrito por "bemlongedemim" e "restodemim-disfarcaechora"

segunda-feira, 2 de agosto de 2010


Para qualquer lugar

É sempre assim, quando o dia amanhece ele levanta, vai até a janela, pega o sol e coloca no bolso esquerdo da calça, senti aquele calor inundando de suor tudo por dentro e vai...para qualquer lugar.
É sempre assim, quando o dia anoitece ele vai até a janela, pega a lua e coloca debaixo do travesseiro, se deita, míngua, ás vezes cresce e fica cheio de lua cheia, transbordando, inundando a cama de devaneios.
Adormece e vai... para qualquer lugar.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

domingo, 25 de julho de 2010

Redundância...aicnâdnudeR

- Sob a tua luz...eu sou escuridão.
- Então eu te escureço? Ofusco? Apago?
- Não! Você é luz...e eu sou escuridão!

sexta-feira, 25 de junho de 2010


Quando o Amor Vacila

Eu sei que atrás desse
Universo de aparências
Das diferenças todas
A esperança é preservada
Nas xícaras sujas de ontem
O café de cada manhã é servido
Mas existe uma palavra
Que eu não suporto ouvir
E dela não me conformo
Eu acredito em tudo,
Mas eu quero você agora
Eu te amo pela tuas faltas,´
Pelo teu corpo marcado, pelas tuas cicatrizes
Pelas tuas loucuras todas, minha vida
Amo as tuas mãos
Mesmo que por causa delas
Eu não saiba o que fazer das minhas
Amo teu jogo triste
As tuas roupas sujas é aqui
Em casa que lavo
Eu amo a tua alegria
Mesmo fora de si
Eu te amo pela tua essência
Até pelo que você podia ter sido
Se a maré das circunstâncias
Não tivesse te banhado nas águas do equívoco
Eu te amo nas horas infernais
E na vida sem tempo quando sozinha
Eu bordo mais uma toalha de fim de semana
Eu te amo pelas crianças e futuras rugas
Eu te amo pelas tuas ilusões perdidas
E pelos teus sonhos inúteis
Amo teu sistema de vida e morte
Eu te amo pelo que se repete
E que nunca é igual
Eu te amo pelas tuas entradas,
Saídas e bandeiras
Eu te amo desde os teus pés
Até o que te escapa
Eu te amo de alma para alma
E mais que as palavras
Ainda que seja através delas
Que eu me defenda quando digo que te amo
Mais que o silêncio dos momentos
Difíceis quando o próprio amor vacila

Texto Quando O Amor Vacila autor desconhecido
Extraído do Programa de Espetáculo do Drama - Luz da Noite -1973
E do disco Maricotinha ao vivo - 2002

terça-feira, 1 de junho de 2010


Feedback

- Mas cara, eu queria tanto me encontrar por aí, sabia! Mas não tem!! Só me encontro quando passo na frente do espelho!!!

quarta-feira, 26 de maio de 2010


Fragmentos de mim mesmo por Caio Fernando abreu III

"Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pesando coisas sobre o amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal".

segunda-feira, 24 de maio de 2010


One Day (by Bjork)

One day
It will happen
One day One day
It will all come true
One day
When you´re ready
One day One day
When you're up to it
The atmosphere
Will get lighter
and two suns ready
To shine just for you
I can feel it
One day
It will happen
One day One day
It will all make sense
One day One day
You will blosson
One day One day
When you're ready
An aeroplane
Will curve gracefully
Around the volcano
With the eruption that never lets you down
I can feel it
And the beautifullest
Fireworks are burning
In the sky just for you
I can feel it
"Let's have some new cliches!!!"

Há muito mais entre o amor e o ciúme do que uma simples traição...

Catherine Millet gostava de se entregar aos homens. Teve muitos, principalmente em grupos, com a conivência de seu marido. Ela publicou sua experiência num best-seller chamado: A vida sexual de Catherine M., em 2001. Já o esperado sucessor desse relato picante foi surpreendente: chama-se Dia de sofrimento (no Brasil, só em 2009) e narra as dores que sentia, consumida pela angústia da descoberta dos encontros do marido com suas sucessivas amantes. Não se trata de hipocrisía da parte dela nem de cegueira relativa aos seus próprios atos, ela acredita que assumir "uma sexualidade muito livre não nos impede de cair na armadilha assustadora do ciúme e não nos protege de antemão contra a dor que a acompanha".
O ciúme, como bem o prova Catherine, não tem nada a ver com atos nem fatos, faz parte do amor, é fruto das nossas inseguranças mais triviais. Num ataque de ciúme, ficamos obcecados, privados do controle, porque quem dirige a cena é o desespero. A vida perde completamente o sentido, só nos interessa saber se aquilo aconteceu, com quem, quantas vezes, onde. Quanto mais nos aproximamos da mórbida descrição da cena trágica, mais nos movemos em sua direção.
O amor que nos é dedicado faz parte das nossas posses e cuidamos dele como da própria pele! Por isso, se o perdermos, só nos ocorre que ele está nas mãos de outra pessoa, não pode simplesmente desaparecer. Na imagem daquela pessoa que seria o novo alvo desse amor, que antes era nosso, buscamos nos mirar. O que ela tem que eu não tenho?
Objeto de desejo
Mas não é só disso que se nutre essa possessão: a fidelidade não é isenta de tentações, estas se traduzem em fantasias, sonhos eróticos, não necessariamente em atos. Freud explicava que a falta de intimidade com essas tentações, quando não estamos dispostos a admiti-las, produz o aspecto projetivo do ciúme. São esses pensamentos que se amontoam na porta - quando não é admitida sua entrada - que produzem o ciúme projetado, onde os próprios desejos são atribuídos, quer como feitos ou fantasias, ao companheiro. É ele que leva a culpa dos desejos que não admitimos sentir. Desconfie do ciumento: é ele quem está de olho na cerca!
Há ainda outro elemento que compõe o estado de espírito que nos leva a vasculhar bolsos, celulares, e-mails, Orkuts, a travar diálogos detetivescos com amigos. É uma parte difícil de explicar: o aspecto homossexual do ciúme entre os heterossexuais. As insistentes indagações na verdade são em torno da pessoas com quem estaríamos sendo traídos, poís ela nos fascina, ela é o objeto de desejo. É como ela que quero ser quando crescer! Sempre brinco com aquele a quem amo a respeito disso, poís nunca coincidimos em nossos interesses: as mulheres de quem eu fico ciumenta não são aquelas que ele acha atraentes, são as que interessam a mim! É nelas que vejo a mulher de verdade que nunca saberei ser e é nele que projeto minha admiração e meu desejo por elas. Como se vê, há muito mais entre o amor e o ciúme do que uma simples traição...
Texto escrito por: Diana Corso
Publicado na revista TPM em 2008.

quinta-feira, 6 de maio de 2010


A minha paz, a você!

Sabe quando você conhece uma pessoa e inexplicavelmente sente-se acolhido? Foi o que ele sentiu ao conhecer Luíza. Ela tinha uma voz doce, calma e estranhamente encantadora. Possuía olhos claros e coloridos de vida, fios de ouro nos cabelos e a suavidade de uma dama. Carregava a experiência do tempo sob os ombros e a prazerosa angústia dos que querem voar na ponta das asas.
Passavam horas conversando sobre coisas abstratas, sensações, sobre a difícil arte de tentar dar nome ao inominável e riam muito, às vezes da dor, do calor ou do amor.
Vivemos em sociedade, mas isso não quer dizer que somos sociáveis. Já Luíza não, era o oposto de tudo isso, se comovia com a dor dos outros com tanta naturalidade, que ele chegava a ver seus olhos coloridos quase transbordarem, apenas quase. Tinha vontade de abraçá-la, porém lembrava sempre do que sua mãe dizia quando pequenino -" Cuidado filho, uma taça de cristal jamais deve ser segurada com demasiada força, poís ela é naturalmente frágil!" - Então, ele fechava rapidamente os olhos, sem que ela percebesse, e naquele segundo a abraçava. Podia sentir a taça de cristal sem se quer tocá-la.
Passavam dias, semanas sem notícias um do outro, poís ambos tinham muita vida para cuidar e viver também. Retomavam o assunto no instante seguinte quando tornavam a se encontrar. Era sempre esse ritual de admiração, para alguns poderia parecer estranho, até porque gostar despretenciosamente de alguém, como ele de Luíza, gerava inquietação. Mas os pressupostos de uma verdadeira amizade não estão escritos em nenhum manual. Gostar de alguém pelo simples fato de gostar, sem exigir nada em troca é um ato de comunhão. Era o que ele sentia por Luíza, o verdadeiro sentimento de amizade.
Outro dia estavam lembrando de Exupéry e seu Pequeno Príncipe, quando Luíza o surpreende dizendo -"Será que existe algo mais maravilhoso que cativar alguém? Penso que só as pessoas especiais, com muita sensibilidade, conseguem se expor para cativar alguém, ou se doam para permitir que alguém as cative!"
Diante de tamanha demosntração de amizade, ele sente seus olhos transbordarem, como uma represa que se rompe e assim, ele chora. Poís acreditavam que essa era a grande razão do amor pela existência, por amarem tudo nela, a tristeza, a angústia, a alegria no sorriso de uma criança, o começo de uma paixão, a lágrima e o peito dolorido, enfim, a Arte. Poís ambos aceitam a vida incondicionalmente, dizem "sim" a sua totalidade, tanto ao prazer quanto a dor!

quarta-feira, 14 de abril de 2010


Logical conclusion!

Ele chega devagar e pergunta: - Como se sente?
A voz, calmamente, responde: - Melhor do que ontem e pior do que amanhã!

terça-feira, 6 de abril de 2010


É por essa e outras razões que sempre preferi os começos.

Mais uma manhã, dessas despretenciosas manhãs de calor. Meio atrasado ele corre para o banheiro, toma um banho rápido, faz um sanduiche de pão e manteiga, uma xícara de café preto, engole e vai para o ponto de ônibus. Chega na universidade, assiste a aulas intermináveis e não vê a hora de poder sentar e papear trivialidades cotidianas com os amigos.
Saíram às onze, sentaram num dos bancos que ficava sob a sombra majestosa de uma árvore centenária, exatamente de frente para a cantina quase vazia. Mas não totalmente. Depois de alguns minutos de conversa, ele é interrompido por um amigo com a seguinte pergunta:
- "Vê aquela Alma ali na cantina?"
- "Sim." Ele responde.
- "Ela está olhando para mim ou para você?" Pergunta o amigo.
Diante de tal indagação, ele permanece calado, apenas o olhar fixo em Alma. Ambos se olharam profundamente, era uma fração de segundos...segundos profundos de olhares eternos.
Ele viu quando Alma se foi, olhou para trás e discretamente desapareceu entre carros, pessoas e foi para qualquer lugar que ele ainda não sabia qual era.
Ele foi para casa pensando em tudo que tinha acontecido, tudo tão fugaz e simbólico ao mesmo tempo. Sabia que veria Alma novamente. Sabe aquela sensação inexplicável de se sentir feliz, de sentir o frio na barriga na hora que a montanha-russa cai no abismo da vida? Poís era essa, a única certeza que tinha, de se sentir assim.
Logo, ele procurou se aproximar das pessoas que estavam com Alma naquele dia e aos poucos foi se fazendo perceber, até o dia em que os conheceu. Procurou não ser invasivo e discreto para não levantar suspeitas ao saber algo sobre Alma, quando apareceria e outras coisas mais. Doce ilusão a dele, por que uma das amigas de Alma já havia percebido que sua aproximação não era algo desinteressado e muito menos desinteressante, mas continuaram.
Dias depois, ao chegar para mais uma jornada de aulas, viu Alma sentada em um banco próximo a cantina lendo um livro. Seus olhares se cruzaram, ele sentiu novamente o coração pulsar desesperadamente, mas como já estava de saída, continuou.
Foram apresentados dias depois, conversaram como se fossem dois grandes conhecidos, de outras vidas quem sabe! Falaram de música, filmes e todas aquelas outras coisas que falamos quando estamos interessados um no outro. Prometeu gravar-lhe uma fita cassete, com seu repertório particular, para que Alma pudesse conhecer novos sons. Mas principalmente, para que lembrasse dele ao ouvir cada uma daquelas canções.
Tomou a liberdade de pedir seu telefone, para que pudesse ligar e avisar quando a fita estivesse pronta. Marcaram numa tarde de sexta-feira, mais ou menos as quatro, cinco horas da tarde, quando o sol começava a fazer seu ritual de descida rumo a escuridão. Ele chegou mais cedo um pouco, ficou lendo um livro para poder enganar o tempo e a ansiedade. De longe viu Alma caminhando em sua direção, cumprimentaram-se educamente, sentiram as mãos suadas e a voz trêmula ao dizerem em harmoniosa sincronia "Oi, tudo bom?". Alma sentou-se e ele, por sua vez, entregou-lhe a fita gravada especialmente em sua homenagem.
Alma parecia levemente inquieta, perguntou se havia algo de errado e ela dissera que estava com problemas, coisas da vida, do calor, do caos, da incerteza do amanhã. Diante disso tudo, de todos os papos e desabafos, ele aproveitou para convidar Alma para sair naquela noite e se distrair um pouco. Ela pensou e logo concordou que não adiantava ficar sofrendo por coisas que não iríam se resolver naquele momento e nem no dia seguinte também.
Marcaram de se encontrar por volta das oito, nove horas da noite. Ele foi o primeiro a chegar, estava mais nervoso ainda, sentia mais uma vez aquela gostosa sensação de se sentir assim, na beira do abismo, prestes a cair rumo ao desconhecido universo de ser feliz. Alma não tardou a chegar e na hora marcada, o lugar se encheu de luz com sua presença. A beleza de Alma o envolvia a cada minuto que passavam juntos.
Encontraram os amigos dela e foram todos para o bar onde beberiam algo, ouviriam música ao vivo, conversariam amenidades, etc. Mas o que realmente importava para ele naquele momento era estar na presença de Alma.
A banda tinha começado a tocar e todos resolveram chegar mais perto para dançar um pouco, exceto ele e Alma. Preferiram ficar a mesa, conversando um no ouvido do outro, poís o som era alto demais para que pudessem compreender o que diziam a uma distância mínima. Alma falou um pouco de si, podia sentir seu cheiro, sua respiração. Ele falou de si, Alma podia sentir seu cheiro, sua respiração também. Certa hora, ele dissera que se sentia muito só e nesse momento, Alma posicionou lentamente sua boca bem pertinho do ouvido dele e disse: "Você não está mais só! Eu estou contigo!"
Ele tremeu, sentiu novamente a sensação de se sentir assim, era como se estivesse nascendo e precisasse respirar e viver tudo em segundos e amar e ser feliz....e logo tratou de agradecer a essa declaração com um caloroso abraço. Ficaram abraçados, sentiu Alma cheirar seu pescoço, fez o mesmo também. E com os rostos colados um no outro, foram beijando levemente a face um do outro, a boca de Alma vindo de encontro a boca dele e no segundo seguinte, se beijavam. Naquele momento, ele sentiu como se o lugar estivesse deserto, não via ninguém, não ouvia ninguém, além de Alma. O beijo de Alma tinha sede e o dele tinha vontade de sentir mais. Ficaram minutos assim, sendo apenas um!
Já era tarde da noite quando resolveram sair do bar, foram todos juntos para um dos bancos vazios respirar a brisa da manhã que se anunciava. Sentaram juntos e abraçados, ele e Alma.
Ele sabia que daquele momento em diante aquela Alma seria seu porto seguro, seu caís, seu lar. Os dias passavam e durante meses eles se amaram como se não houvesse outro amanhã. Se amaram muito, até o dia em que Alma se fora, queria ganhar asas, queria voar e descobrir o pote de ouro no final do arco-íris. Porém, é mais prudente deixar essa parte para uma outra hora. É bem mais interessante falar dos começos, eles são sempre melhores. Sempre dá aquela vontade de viver mais, de viver muito. Diferente dos meios, quando sentimos vontade de viver, apenas viver. Diferente dos fins, quando não dá vontade de viver de jeito nenhum...e é por essa e outras razões que eu sempre preferi os começos.

A vida como ela é...

"Manda quem pode, obedece quem tem escrúpulo."

Frase tirada da redação de um aluno do primeiro semestre do curso de publicidade e propaganda.

sexta-feira, 26 de março de 2010


Diálogo silencioso entre o Vácuo e o Vázio

Tudo partiu da seguinte frase: "Sentir sede faz parte, e atormenta!" do Caio F. Abreu.

Não disseram nada, nem um "Oi, tudo bom?", apenas fluiram, como um rio que corre dia e noite para abraçar a tsunami mar a dentro...

O Diálogo:

Vázio: Beber alivia.

Vácuo: Depende do que...porque as vezes piora!

Vázio: Água.

Vácuo: Água é sempre bem vinda!! Água benta principalmente!!!

Vázio: Pulsões de Freud!

Vácuo: Lei de Murphy mesmo, né não?

Vázio: Não acho, porque?

Vácuo: As vezes o universo não ajuda e o vento não sopra a favor.

Vázio: É porque é tempo de tempestade, faz parte!

Vácuo: "A tempestade é minha festa!", e qual é a sua?

Vázio: O tempo sombrio, como esse que está agora.

Vácuo: O que acontece quando tempesteia na sombra então?

Vázio: A melhor maravilha que existe! Um momento que não sei se vai pra lugar algum, mas tem somente uma pessoa com você. Você. Você sofre, mas muda. Assim acontece comigo.

Vácuo: E se descobre diante disso? ou redescrobe novamente com outros olhos?

Vázio: Não! Mudar mesmo!! Chamo isso de casulo ou ovo. Descobrir não sei...alguma coisa quem sabe? Acho que isso é a serventia da tristeza.

Vácuo: Mas as borboletas saem de casulos e muito mais belas do que antes! E a tristeza, por sua vez, serve pra colorir o preto e branco!

Vázio: É...pode ser. Talvez!

Vácuo: Talvez num é um pouco abstrato?

Vázio: Não...é certeza o talvez. Talvez vá colorir...nem sempre mudamos pra algo melhor.

Vácuo: Mas isso não é uma visão muito pessimista não?! Ou a puta vestida de verde, chamada esperança, nunca passou por você?

Vázio: Não. É realista. Isso que talvez você esteja vendo é esperar por algo definitivo de uma vez. Não acho que isso ocorra.

Vácuo: Então você acaba de me dizer que não espera por nada, é isso mesmo? Não sofre de expectativa então!

Vázio: No momento não! Posso sofrer em outros momentos.

Vácuo: O que você sente nesse momento então? Exatamente agora!

Vázio: Absolutamente nada...fome. Um pouco de frio.

Vácuo: E o que pode te aquecer numa noite de frio como essa? Além do teu cobertor, é claro!

Vázio: Eu gosto de frio!

Vácuo: Então somos dois! Um bom vinho cai sempre bem! E como está teu coração hoje?

Vázio: Estou com a catexia libidinal formatada.

Vácuo: Traduzindo para a linguagem dos mortais, meu caro!

Vázio: Meu coração não aponta pra ninguém, não tenho mais pensamentos em algo ou alguém. Está vazio.

Vácuo: Não assusta, chegar a conclusão do que você terminou de dizer?

Vázio: Deixa eu ver! Pensando...assusta não! Porque? O que você acha?

Vácuo: Tenho medo de solidão, apesar de sermos naturalmente sós. Nossa única casa é o corpo que temos. Mas mesmo assim lateja de vez em quando, entende?

Vázio: Entendo...acontece. Mas meu momento agora é esse, depois me surge uma pulsão pra ir atrás de outra coisa. Porém, estou mudando meus hábitos.

Vácuo: Mudar faz parte sempre! E o que tem feito pra alimentar teu espírito?

Vázio: Ler revistas de psicanálise...escutando música estranha.

TO BE CONTINUED....

Texto escrito por "bemlongedemim" e "sobreovento"

terça-feira, 16 de março de 2010


Fragmentos de mim mesmo por Caio Fernando Abreu II

"E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta.Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente."Caio F.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010


A Deus...

Chegou em casa, sentou no sofá e ficou esperando o outro terminar de rezar o terço. Todos os dias era assim, a mesma coisa, o mesmo ritual, o mesmo silêncio.
Era tanto silêncio, que as vezes ele tampava os ouvidos com força para não enlouquecer...
Tomava uma dose de whisky barato, abria a agenda, escrevia sempre de cabeça para baixo e terminava quando ouvia o terço cair no chão. Era o sinal! Hora de voltar.
Se levantava, pegava o resto de nada que sobrara e saia.
Nunca dizia a Deus, apenas deixava a porta entre aberta para que o outro soubesse que ele se fora e dessa vez era pra sempre.
Desse dia em diante...ele passou a rezar diariamente, mas passou a rezar um rosário. Poís ele era mais longo e o silêncio dele fazia mais barulho. Amém!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010


Só sobrou esse nó no peito

mudar não é fácil. a gente sempre pensa que mudar de rumo é coisa somente de dizer eu quero, eu faço, eu vou. é nada. atualmente passo os dias oscilando entre as perdas do adeus e os gostos do novo. ando duvidando ridiculamente do que conheço até o revés, por desejar estar onde meus pés nunca pisaram. eu precisei esquecer certas coisas para ter coragem de ir embora. e agora eu só sei que quero ir. para ver se o vento lá sopra na mesma direção que aqui, para saber se o vazio das horas perdidas se recompõem, para cair no fundo do poço e sentir se o cheiro, se o lodo, se a umidade dos poços de lá são os mesmos dos daqui. um dia a gente acaba descobrindo a cor exata em que o sol desmaia nas tardes e percebe que já não precisa ficar. um dia tudo fica mais cinza que de costume, e não dá para saber se o que se perdeu foi arrastado pela chuva, se os azuis ficaram sem cor, ou se as borboletas sobreviveram, enquanto permanecia deitada sofrendo de autopiedade desmedida. de repente, tudo se desgasta sem que seus olhos dessem conta, antes que virasse uma era, antes que o tempo se manifestasse, antes que soubesse exatamente para onde queria ir.
Deise Anne R. de Souza.
"Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação Cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora o que faço?" (Caio Fernando Abreu)
Ler a Deise é alimento para minha alma!!! Tenho sempre vontade de viver mais!!!
Minha amiga, meu caís, meu porto seguro!
Te amo!
Para quem quiser sentir um pouco da sensação que terminei de descrever: www.muitomeagrada.blogspot.com

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010


De vez em quando é melhor do que nunca!

Hoje não faz tanto frio, apenas chove dentro de mim! Sinto o calor do meu corpo, ainda vivo, fazer evaporar o dilúvio calmamente. Transbordo pelos poros, pelas lágrimas e pelas órbitas ainda doloridas. Acho que preciso transpor as barreiras do infinito e chegar a lugar nenhum. Talvez lá o sol tenha a cor daquela flor que morreu em cima da mesa por falta de calor, água e amor. Vejo um beija-flor solitário, acredito que ele espera encontrar sua flor preferida. Provavelmente a finada flor, a preferida, está no vaso sob a mesa compondo o ambiente com sua natureza morta. Pelo menos ele voa. E eu? Vejo as flores morrerem. Outras nascerem. Mas o sol ainda não mudou de cor. Ou será que mudou e eu não percebi? Talvez, esquecer das coisas simples da vida é muito simples mesmo! Perceber que o simples começa a aparecer quando dá lugar ao complexo. É, acho que agora está tudo claro, mas não vou colocar óculos escuros. O que menos preciso é de ver tudo cinza! Isso, meu bem, é coisa de quem vive em preto e branco. Eu quero mesmo é viver no colorido, no bater asas, no evaporar, no sentir, no andar, no gozar interminávelmente e no amar, mesmo que ele chore de vez em quando...

Fragmentos de mim, por Caio Fernando Abreu. (Meu mestre!)

"Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa fica deserta depois que ele parte."

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010


De dentro...

Restou pouco,
Mas ainda tem forma e sente calor!